terça-feira, 24 de janeiro de 2012





O tema é tratado por Bruno Nubens Barbosa Miragem, em artigo intitulado “A liberdade de expressão e o direito de crítica pública”[.
Diz o Autor que se trata, essencialmente, de reconhecer ao ser humano o direito à discordância. É o direito ao conflito de idéias, de posições, sejam elas de qualquer natureza (política ou artística, por exemplo). Constitui uma especialização do direito de livre expressão que, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, passa a compreender também o direito de receber informação e opinião, deixando de aproveitar exclusivamente ao seu titular, para beneficiar sobretudo a comunidade.
A liberdade de expressão é consagrada no artigo 5º da Constituição:
“IV - é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato”; “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
O direito de crítica pública caracteriza-se como o direito subjetivo público de formação e expressão de juízos críticos sobre pessoas, idéias, ações ou omissões cujas circunstâncias em que se apresentem permitam inferir sobre o caráter público ou evidência social das mesmas. Legalmente, é garantido pela Lei de Imprensa, como causa justificadora do exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação: “Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação” (Lei 5.250/67).
Direito fundamental, a liberdade de expressão tem seu exercício limitado pela extensão que se reconheça aos demais direitos fundamentais, determinada pela técnica da ponderação, destacando-se o disposto o artigo 5º, X, da Constituição: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.
Também o direito de crítica pública, espécie do gênero liberdade de expressão, é limitado. Tem limites absolutos, de caráter geral, cujo fundamento se encontra na proteção da ordem pública com o significado contemporâneo que lhe indica a dignidade da pessoa humana, e limites relativos, que dizem com a relação que se produz pelo exercício do direito de crítica.
Aponta o Autor quatro limites absolutos:
1.      O princípio da não discriminação. O direito de crítica pública não pode ser exercido de modo a expressar discriminação que a Constituição proíbe expressamente. Recorde-se que a Constituição institui como objetivo fundamental da República, em seu art. 3º, inciso IV, “a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e em seu art. 5º, caput, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, vedando distinção de credo religioso (inciso VIII), trabalho (inciso XIII), e política, esta última em distintos momentos, como por exemplo o que determina a igualdade de participação política (“voto igual para todos”, art. 14).
2.      O respeito ao Estado democrático de Direito. Uma ordem jurídica que garante a liberdade de expressão e o direito de crítica pública não pode tolerar o exercício desta em prejuízo do próprio Estado que os garante. Tampouco se admite promoção do descumprimento da lei, o que também caracterizaria ofensa ao Estado democrático de Direito, tendo sido a lei produzida de acordo com o procedimento legislativo previsto. Não se confunde o direito de crítica à lei, de resto reconhecido pelo artigo 17, III, da Lei 5.250/67, com a promoção do descumprimento da lei, este recusado, salvo nos casos excepcionais em que legitimado o direito à desobediência civil.
3.      A promoção da paz social. A Constituição de 1988, em seu preâmbulo, refere a harmonia social como fundamento do Estado brasileiro. Do mesmo modo, em seu artigo 5º, caput, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E no mesmo artigo 5º, inciso III, veda a tortura bem como qualquer tratamento desumano ou degradante. Assim, o direito de crítica pública não pode ser exercido de modo a incitar a violência, em contradição à Constituição. A violência, aí referida, é a dos particulares, não a sugestão de atuação do poder de coerção do Estado. Assim, ultrapassa os limites do exercício do direito de crítica quem defende publicamente um linchamento; não o que preconiza maior rigor na atuação do órgão policial, no desempenho de suas atribuições regulares.
4.      A integridade moral da pessoa. Trata-se, aqui, da limitação do exercício do direito de crítica pública em favor da integridade moral da pessoa, preservada através dos direitos à honra e à intimidade e vida privada. Não se traduz, porém, em ofensa pessoal um juízo crítico em relação a comportamentos individuais que se projetem na esfera pública. E isto pela simples razão de que a atuação pública, por si, submete o indivíduo à crítica pública.
Os limites relativos pontuam critérios a serem observados no exercício do direito de crítica, de modo a garantir, de um lado, a dignidade da pessoa humana do sujeito que dela é alvo e, de outro, o direito à informação verdadeira. São, segundo o Autor, dois os limites relativos: a veracidade fática e a relação de pertinência fática.
a.       Se a crítica se refere a um ato x, é preciso que esse ato x tenha existência. Em tal não ocorrendo, é irregular o exercício do direito. Mas não é qualquer erro quanto aos fatos que ultrapassa o limite do direito de crítica, mas apenas o erro caracterizado como falsidade deliberada. Se a crítica envolve ato criminoso, a ocorrência do crime e a determinação da responsabilidade devem estar comprovadas, sob pena de violação do direito à presunção de inocência (Constituição, art. 5º, LVII). Portanto, sua existência somente se pode afirmar como hipótese.
b.      Quanto à relação de pertinência, exige-se que o conteúdo da crítica não supere o seu objeto concreto, avançando, por exemplo, para ofensas pessoais ou fatos que não tenham relação com o objeto imediato do juízo formulado.
Na conclusão, observa o Autor que a regularidade do exercício do direito de crítica pública deve ser aferida a partir dos elementos acima caracterizados como limites absolutos ou relativos, jamais em relação à concordância ou divergência da crítica formulada.


 Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (22): 8-30, set/2002.

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